quarta-feira, 23 de julho de 2014

As suas coisas

Você esqueceu suas meias penduradas no varal, eu recolhi e guardei para você. Venha buscar as digitais que deixou em mim, os copos quebrados e os sonhos que fez-se perder em mim. Finja que esqueceu tudo isso aqui e venha buscar, pegue a sua camisa do cabide. Guardei o que sobrou da paz, essa podemos dividir em partes iguais já que o que tem é pouco. Não vou pedir para levar o que restou do nosso amor, esse eu sei que está velho demais, feito de trapos que fomos recolhendo do chão e que esquecemos de juntá-los, apenas um amontoado de lembranças apagadas e rasgadas.

Aqui faz sol, posso colocar suas coisas lá fora para que saia o cheiro da angústia, mas não peça para eu ter cuidado, não me resta outra opção além de me desfazer das suas coisas que agora são mais suas que nunca.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Pode entrar

Vem, entra! Só não repara, não. Eu mudei algumas coisas de lugar, consertei algumas mágoas. Te chamei aqui para você ver a cara nova que eu dei em tudo, mas tira o sapato para entrar, não quero mais que você marque o chão ao pisar. Transformei tudo em uma versão que você não conhece, joguei fora aquilo que era desnecessário e que me matava. Talvez você não reconheça o local. Pode abrir as gavetas, os armários todos, repara nas paredes vazias e limpas das cicatrizes. O tempo foi capaz de arrumar o que você quebrou, tirou o visgo e suor dos móveis. Olha as cores, você nunca reparou quando elas estavam ai e nem quando foram embora, agora elas voltaram e esperam por alguém que as repare.

Fiz um bolo para você, vamos sentar e tomar café, quero te contar do tempo em que as coisas não foram fáceis para o meu coração, das tempestades que passei com o teto esburacado onde não havia ninguém para me ajudar a impedir que a chuva entrasse. Agora senta e ouve. Quero te lembrar do que me disse na última vez que nos vimos, quando falou sobre querer um tempo para você. Me deixou de lado como se eu fosse um utensílio inútil.  Quero te contar como esse tempo me ajudou, como você conseguiu fazer meu amor se calar, eu deixei tudo para trás e quero ver como vai reagir, se vai doer. Vem, entra.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Não choro

A minha solidão não troveja, não relampeia, não grita e não chora.
Ela não se precipita.
A minha tristeza não se transforma em lágrimas, mesmo, por vezes, eu quase não suportando.
Ela não desaba.
Já me imaginei transbordando o mundo de prantos, sofrimento e desespero.
Não sucumbo.
Um imenso rio formado de puro desgosto e água podre e fétida que me rege.
Não mergulho.
Eu sinto o peso da vida em minha cabeça e em meu peito. Palavras ditas e não ditas. Malditas.
Não serei mártir.
Estou letárgica mas não cinza. Pintei meu mundo com guache, torcendo para não chover.
Não serei o medo.
Não sou coitada, abandonada em uma noite fria. Até porque é dentro de mim que faz frio, neva.
Aqui dentro névoa.
Que sumam, que apaguem, sejam esquecidos, que morram... que matem os meus sonhos.

Eu não choro! Não choro!