terça-feira, 23 de maio de 2017

Eu largaria tudo. Eu abandonaria minha casa, meu emprego, meus livros, abandonaria meus amigos, minha família, deixaria todo o meu passado pra trás, jogaria fora os jeans e os discos, agarraria forte na sua mão e com o outro braço puxaria todo seu braço para mais perto do meu corpo, fugiria sem documentos e sem previsão de volta, sem dinheiro e sem destino. Se fosse preciso e se me fosse pedido, te esperaria, cuidaria das nossas coisas e esperaria, cuidaria da minha saúde e dos meus cabelos, leria os melhores livros e estudaria um pouco sobre culinária e vinhos. Se você quisesse, estudaria sobre plantas comestíveis ou não, sobre decoração e até um pouco sobre tricô, se me mandasse suas medidas já teria tricotado suas meias e blusas. Aperfeiçoaria meus pudins e aprenderia a fazer o pudim perfeito. Largaria o cigarro, aprenderia mais sobre xadrez, trocaria o cristal pelo mascavo, beberia sociavelmente, não faria fofocas, dormiria 8 horas por noite, colocaria minhas contas em dia... ai, sabe, eu largaria tudo.

terça-feira, 9 de maio de 2017

Me contaram que você anda por aí meio triste e de cabeça baixa, não que você não fosse assim antes de me conhecer, você sempre foi um tanto quanto esquisitinho, mas eu só queria saber se está tudo bem com você. As vezes fico pensando se você ainda dança pela casa sem mais nem menos ou se da gargalhadas lembrando daquela vez que patinou no sabão em pó e caiu. Não quero que perca tua beleza mas também não quero que deixe de sentir minha falta na hora de dormir e nos domingos a noite.
Eu sei que ando meio sumida e tudo, mas vou te confessar que ainda fico meio balançada quando ouço aquele cantor que você gosta ou quando leio o livro de algum autor que sei que você curtia. É uma merda que por aqui ninguém saiba discutir literatura, é uma merda que só você saiba discutir literatura. Ainda estou aprendendo a aceitar isso, um dia consigo.
Não esquece de mim, tudo bem? Nem do meu cheiro, nem do meu olhar psicótico.
Eu não esqueço, tanto que ainda te abraço no frio, te dou aquele beijo na nuca antes de dormir e até te sussurro uns conselhos no pé do ouvido, mesmo sabendo que ouvir conselhos nunca foi teu forte.
Eu não estou com o intuito de escrever uma carta de despedida ou um bilhete clichê suicida. Só quero te pedir pra esperar a primavera chegar e correr pro quintal quando a chuva chegar, quero te pedir pra ir pra casa planejando fazer um jantar maravilhoso com alguma comida mirabolante que você faz e acaba ficando boa. Quero te ver lendo poemas e contos em voz alta e só parando pra dar mais um trago no cigarro, aliás, falando em cigarro, compra uma droga de uma carteira de marlboro e para de se privar de tanta coisa, para de viver uma vida onde ninguém reconhece o quão foda você é, para de se sacrificar tanto. Vai e escolhe a melhor Marta Rocha na padaria, porque eu sei que não vai ter alguém pra fazer isso por você. 
Eu não acredito mais no nosso reencontro, mas ainda guardo tudo com um tanto bem grande de carinho, tento não pensar nas merdas que você fez, mesmo as vezes sendo inevitável lembrar. É que no fundo, mesmo com tanta merda e tanto rancor, eu daria tudo pra chegar na nossa casa com a melhor Marta Rocha da padaria nas mãos.
Eu não quero que deixe sua pena e sua dó para mim, eu não quero e não vou aceitar, leva elas com você que não vai caber aqui. Você não estava lá quando as mangas da minha blusa já estavam ensopadas o suficiente para não conseguir mais secar o choro e a maquiagem borrada. Você fugiu quando meu soluço ecoava por todos aqueles corredores e mesmo assim eu fui embora de pé, sustentada apenas pelas minhas pernas, sustentada apenas por um corpo que muitas vezes parece insustentável e de todas as poucas certezas que tenho na vida, uma delas é a que sou suficiente, eu sou suficiente e consigo seguir em frente com uma dor que deveria ser nossa, mas você deixou que fosse apenas minha.
Eu cambaleei até a minha cama exausta ao chegar em casa, pensei em tudo o que te ofereci, tudo de bom e de ruim, pensei quais eram os motivos que te fizeram me deixar sozinha quando eu clamava baixinho para que você me desse um sinal qualquer de vida e aparecesse só pra me dar um beijo na testa ou perguntar se estava tudo bem.
Eu não quero sua pena e sua dó depois que eu esperei demais por você e você não pode me oferecer nada mais que o silêncio e seu sumiço. 
Cada milímetro daquela linha que eu transpassava no pano era pedaços do meu sentimento, enquanto você borda o tecido, sua cabeça está livre para pensar em milhões de coisas e você só precisa aprender a lidar com o que vem na sua cabeça, afinal, hora ou outra você vai pensar naquilo e adiar pensamentos é como se você fosse jogando eles em um quartinho escuro onde precisa entrar vez ou outra para procurar algo que está perdido, se o quartinho não está com a organização em dia, ao abrir a porta, tudo cai em cima de você... além do que colocou lá, ainda tem a sujeira e o bolor do tempo que passou, te cobre, te esmaga.
Enquanto bordava, me lembrava do vestido que usava no dia que precisei ir ao hospital, lembro que naquele momento pensei que nunca mais iria voltar a usar os vestidos do meu armário e que talvez fossem eles que estivessem me dando má sorte na vida. Esses pensamentos me lembraram que ao comprar vestidos novos, preciso escolher menos roupas de tom azul, azul sempre foi minha cor favorita e eu acabava abrindo o guarda roupa e enxergando só peças azuis.
Eu sempre gostei de azul e talvez isso também tenha alguma explicação, azul é a cor mais triste e simbólica de todas, Van Gogh era um tanto quanto azul, Virgem Maria usava um manto azul, na Moça com Brinco de Pérola quase não notamos o brinco e sim os tons azulados que compões a quase perfeição... quase perfeição. O que seria a quase perfe... Furei o dedo.
O vermelho conversa com o azul e o sangue que sai do meu dedo é o mesmo que sangra dos meus pulsos. Posso me furar e manchar todo o tecido, isso não é punição o suficiente para o que eu fiz quando resolvi trocar todos os vestidos do armário.