sexta-feira, 29 de julho de 2016

Foi na despedida do Hector Babenco dessa imensa máquina de solidão que pude ter uma pequena lembrança de como é ouvir as palavras doces de um conto em sua boca e de como me sentia inteiramente iluminada ao descascar batatas em certas ocasiões. Não, não vou escrever sobre descascadores de batata e a imensa gratidão que tenho pelo inventor do descascador de batatas que adiantou em alguns segundos minha ida para a cama, para estar mais uma vez na prévia do melhor calor humano que já senti e que sei, nunca mais vou poder provar.

terça-feira, 19 de julho de 2016

Ele adorava iogurte de ameixa e eu lembro disso desde a primeira vez que fui na sua casa, ele tomava o iogurte assistindo qualquer baboseira que passava na TV e eu admirava a concentração com que ele fazia aquilo. Todos seus movimentos eu sempre admirei e poderia ficar horas observando o que ele estava fazendo, tudo me encantava como se fosse mágica. Se estava consertando o chuveiro, se estava cozinhando, quando estava parado segurando um livro em uma mão e um cigarro em outra, quando parava na janela com as mãos apoiadas no batente. Eu me encantava com os movimentos, meu coração palpitava tão forte.
Eu pedia sempre que podia para ele ficar comigo para sempre, eu ficava entusiasmada com a possibilidade de me encontrar velhinha admirando seus movimentos sempre tão lindos, eu queria ver ele velhinho, lendo Cortázar ao chiado da panela de pressão cozinhando pinhão nas nossas noites de inverno com vinho.
Passou o tempo e ele decidiu não ficar comigo para sempre, senti uma dor que me parecia não haver maior, chorava a qualquer momento e evitava conversar com as pessoas, pois o pranto não avisava quando vinha. Passei a odiar Cortázar e pinhão, ficou só o vinho. Em um domingo, chorei o dia todo, ao ponto do vizinho vir bater na porta e perguntar se eu estava bem. Comecei aos poucos a sair de casa, posso dizer que conheço todos os bares da Trajano Reis, Vicente Machado e das proximidades da Reitoria. Já acordei em várias camas, com vários cheiros, diferentes formatos, umas o lençol era de algodão e outras de seda, mas nenhuma me encantava.
O tempo foi passando e algumas coisas foram mudando, a dor decidiu ir embora um dia, colocou a mochilinha targus nas costas, subiu no primeiro Santa Quitéria que viu e foi embora descendo as ladeirinhas do Campo Comprido. Sim, minha dor se parece muito com ele.
Ainda sinto e isso não me dói, o que fiz foi amar e é melhor deixar partir do que insistir pelo desastre. Ainda me lembro dele e cito seu nome tantas vezes que parece que foi ontem que foi embora. Me acostumei com o fato de ter mudado e de ter que ficar enquanto ele embarcava naquele ônibus.
Quando eu pedia para ele ficar para sempre, ele sempre prometeu que ficaria e hoje eu acho que o nosso "para sempre" leva tempo diferente para acabar.

terça-feira, 5 de julho de 2016

Acordei e sentei ao lado da cama, coloquei os dois pés no carpet, como de costume. Estiquei meu braço e puxei a coberta para te cobrir em um gesto completamente automático e desesperado de te encontrar na cama. Não encontrei.
Eu tinha 20 anos e todos os sonhos do mundo comigo, planos das viagens, dos filhos e do próximo livro da nossa estante. Acabou e é assim que caminho, completamente desesperada todos os dias, em busca de um objeto fora do lugar esperando que você tenha passado por ali, em busca do seu caminhar naquela calçada que enxergo do sexto andar e que nunca te vejo. Eu tinha 20 anos e a certeza absoluta que te queria para o resto da vida e essa foi a única coisa que sobrou, a certeza.
É essa certeza que me mata todos os dias quando olho os cabides no guarda roupa, a certeza de que nunca mais suas camisas estarão ali para eu ter certeza que você ainda volta ou para eu colocar um bilhetinho te lembrando de me amar. A certeza puxou meu tapete ontem, quando fiz apenas uma xícara de chá e me fez lembrar que vai ser assim agora. Tive que tirar tuas lembranças da casa, sua toalha e seu chinelo que estavam te esperando, eu tenho certeza que você não volta e tenho certeza que não vou esperar mais e essas certezas são as que mais me doem. Eu tenho certeza das coisas que vão permanecer comigo mas tenho mais certeza das coisas todas que você levou embora. Tenho certeza que suas decisões são sempre sem volta. Eu sei que não vai cansar de fugir e que não vai voltar. Eu me conformei com a sua ausência.
A menina dos origamis e dos olhos de mel também foi embora com você, ela partiu carregando a certeza que não há lugar nesse mundo onde caiba tanto amor e tanta vontade de ficar.


Break my legs so I won't walk to you
Cut my tongue so I can't talk to you
Burn my skin so I can't feel you
Stab my eyes so I can't see
You like it when I let you walk over me
You tell me that you like it

Your love is killing me