Sempre achei que esse amor era coisa de quem não tinha nada
melhor para fazer. Eu só o sentia porque estava infeliz naquela vida pacata. Só
por isso. Resolvi então agitar a vida pacata. E comecei a sair mais de casa,
enxergar as pessoas ao meu redor, mais viagens, mais baladas. Amor é coisa de
gente pacata e agora que eu tinha uma vida agitada, poderia, finalmente, mandar
esse amor embora. Tchau, coisinha besta.
Nada feito. Só piorou. Acordava e ia dormir com ele
engasgado aqui. Ficava inconformada. Mas aí concluí: amor é coisa de quem tem
tempo pra pensar nele. Claro, mesmo com a semana agitada entre faculdade e
trabalho, eu fico em casa o fim de semana todo, alegando cansaço, no silêncio
das minhas coisas, claro que acabo pensando besteira. Aquele papo de mente
desocupada casa do diabo, sabe? Amor do diabo. Fui procurar Jesus.
Depois de dez passes e de ler todo o Evangelho Espírita,
achei que ficaria tudo bem. Ficou nada. Eu só parei de sonhar que botava fogo
no apartamento do ser amado ou que arrancava os olhos de todas as mulheres do
mundo. Parei, talvez, de odiar o amor. Mas o amor, na verdade, ficou lá. Duro
que nem pedra. Daqueles que não vão embora nem com reza brava.
Amor adolescente, pensei. Com certeza, se eu virar mulher,
esse amor bobinho passa. Amor de menina boba. Tratei, então, de virar mulher.
Quem sabe mudando o visual, esse amor não se mudava de mim? Nada feito. Cabelo
novo, roupas novas, sapatos novos, novas contas pra pagar. E o mesmo coração
idiota. O mesmo amor de sempre. Coisa chata, não?
Ah, que que é isso! Amor deve passar com um novo amor, não?
Olha lá aquele menino bonito te olhando, o outro que escreve bonito, o outro
que te faz rir um monte, tem também aquele ali, com mão firme. Nada. Nenhum
deles foi capaz de me salvar, de substituir minhas células cansadas em sentir
sempre a mesma coisa. Nenhum foi capaz, nem por um segundo, de me levar para
passear em outros tormentos. Ou outras alegrias. Qualquer outra coisa que seja.
Aí veio a idéia brilhante. Será que se eu mergulhasse de
cabeça na estupidez desse amor, não me curava? Será que se eu, por um minuto
apenas, parasse de sentir tudo isso de dentro da grandiosidade que eu inventei
para tudo isso e enxergasse de perto como tudo é tosco e pequeno, eu não me
curava? Só piorou. De frente para ele e suas constatações tão absurdas a
respeito de tudo, só consigo sentir ainda mais amor. E quanto mais e maiores
motivos para não sentir, ele e a vida me dão... Adivinhem? Sim, o amor cresce.
Irresponsável, sem alimento, sem esperança e de uma burrice enorme. Ainda
assim, forte e em crescimento.
Mas esse amor, ah, esse amor é coisa de quem não ama a
própria vida. Se um dia, um dia eu pudesse realmente ser uma Jornalista. Ou
até, nossa, se eu pudesse trabalhar na televisão sabe? Esse amor iria embora,
claro. Nada feito. Estou aqui graças a minha maior qualidade: a fé. Sim, isso
só não funciona pro amor, mas pra todo resto na minha vida acreditar sempre
funcionou. Tudo certo com a minha vida. Ou quase tudo certo. Ainda sinto esse
amor ridículo. Essa coisa infernal que me vence todos os dias, todos os
minutos. Quantos bons contatos me admiram e me elogiam. Ainda bem que alguém
além de mim acredita em mim. É tanta coisa boa acontecendo, tanta gente boa se
aproximando que tá na hora de acordar. Enxergar. Receber.
Taí. Tá bom. O amor venceu. Você venceu. Venceu. Venceu.
Venceu. E eu acabo de descobrir, simples assim, a única maneira de me livrar
desse sentimento: aceitando ele, parando de querer ganhar dele. Te amo mesmo,
talvez pra sempre. Mas nem por isso eu deixo de ser feliz ou viver minha vida.
Foda-se esse amor. E foda-se você.
Tati Bernardi
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