terça-feira, 19 de junho de 2012

Coisas boas vem com o tempo, as melhores, de repente.

E assim, sem nem esperar nem nada. Chega e aperta o coração, te empurra pro fundo do poço e ainda ri da tua cara, apontando o dedo, sabe?
Eu sou forte o bastante, mas tem coisas que te derrubam de uma forma que da até medo, faz você viver no mundo da lua, pensando em nada, só para não ter que pensa no caso.

***


Rolando na cama, embolando os lençóis e demorando três horas pra conseguir chegar perto do sono. Há duas noites não dormia bem. Como se não bastasse o nervosismo, a angústia e mágoa, agora começara a passar dias exaustivos, com olheiras fundas, que lhe cobriam a face de desgaste. Não sabia se era pior dormir ou ficar acordada, dormindo tinha pesadelos horríveis e extremamente reais.
Não tinha tempo para fazer o que queria e quando tinha tempo, não tinha vontade de fazer nada, só ficar deitada naquele sofá velho, cheio de arranhões dos gatos, que convenhamos, eram os únicos que aceitavam passar mais de dez minutos ao seu lado. 
Sentia que seus últimos 15 anos foram jogados no lixo, que não tinha vivido, queria começar a viver agora, depois dos 35 anos, onde sabia que já não seria a mesma coisa, como quando tinha seus 20 e poucos. Isso lhe dava uma ponta de arrependimento, de angústia que não podia mudar, não conseguia lidar com aquilo. Isso e tantas outras coisas eram temas dos seus pesadelos, pesadelos que a faziam ficar mais assustada, e nessa hora era impossível voltar a dormir, tinha um rio de coisas que passavam pela sua cabeça, uma enchente de pensamentos que só faziam ela se sentir mais uma Gregor Samsa no mundo.
Tentava resolver a vida, procurava emprego, quando estava na entrevista, sentada atrás de uma mesa, sendo avaliada, ficava pior, sentia que o avaliador tinha medo dela. Ela tinha espasmos, que só faziam seu rosto ficar com um aspecto mais melancólico, ela não conseguia controlar tudo isso. Sentia que com mesmo tanta experiência na vida, até um ser sem segundo grau completo teria mais chances que ela.
Queria voltar pra sua cama, sentir o cheiro de mofo da sua casa e dos seus gatos. Foi tomar a condução, contando as moedas que rolavam pela calça, perdidas em um bolso furado. Sabia que provavelmente teria perdido alguma, as moedas estavam certas! Agora ia ter que se sujeitar. Tirar os sapatos para ver se tinham rolado para dentro dele. As unhas sem fazer, era nisso que pensava, ela já não era feminina, não tinha mais esmaltes e nem fazia questão. Ela perguntou ao cobrador se não podia lhe trazer o que faltava, prometeu que voltaria. Ele olhou com um tom de preocupação e mandou ela ir andando.
Ali é que estava o problema, se ela andava, pensava. Ela não queria pensar na vida, não queria andar. Foi obrigada.

Chegou em casa trêmula, cansada, não tinha mais forças, estava há horas sem se alimentar. Acendeu o cigarro no fogão e foi dormir, sabia que iria ter pesadelos e que talvez nem conseguisse pegar no sono, mas conseguiu. Acordou com o sol nascendo, um calor infernal, uma fumaça densa e os vizinhos gritando do lado de fora. O fogo já havia tomado conta de tudo, estava nas paredes e cobria a casa, além da casa, seu corpo também estava queimado, queimou os dedos e os pés, os vizinhos estavam do lado de fora, olhando os bombeiros apagarem o fogo, alguns ajudando e outros coxixando.
Sentou no meio fio, viu o fogo levar tudo, as fotos, os escritos, os documentos, não teria mais identidade? Nunca teve, literamente. Olhou o fogo e riu, riu da cena. Os vizinhos tentavam falar com ela, mas ela não respondia. Levantou cambaleando, ainda pela fome, e saiu correndo, somente com a roupa do corpo, a roupa e um isqueiro no bolso. Nunca mais foi vista na cidade.

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